segunda-feira, 25 de junho de 2012

O POETA SECOU

Por Carlos Dias
Cada poeta pinta seu autoretrato com as letras antropomorfas que deseja. Esta semana, em Sobral, no meio de uma tarde, na ausência da sombra, encontrei-me com um amigo. O poeta Emanuel. Jogamos frases ao sol. Falamos dos tempos esquecidos. Da época em que não censurávamos as palavras. Dos anos em que pisávamos no tempo e não sabíamos da existência da morte.
Pedi notícias dos poemas, Emanuel olhou para trás, como quem procura as derradeiras palavras e disse que a inspiração secou. Descobri que Emanuel transformou-se... Formado em Ciências Contábeis, as ocupações do cotidiano não davam espaços para “brincar de rimar”.
O Sol continuou a insistir. A mostrar que não era apenas figurante em nossa conversa. A rigidez do Sol nos fez lembrar da ausência da chuva. Fazendo com que nossa conversa escorresse para discutirmos sobre a seca.
Emanuel antecipou-se, fez-me lembrar das secas de anos anteriores. Das que ele conhecia por ter vivido e das que conhecia por ter ouvido ou lido as histórias. Emanuel prosseguiu, falando com a autoridade de quem versa sobre o assunto. Tentou mostrar-me que o Brasil mudou. Que as secas de hoje não são como as de outrora. Que as pessoas já não sofrem tanto com a ausência da chuva. Que as dores sociais da estiagem já não são tão sentidas em nosso cotidiano. Que O Quinze transformou-se em ficção descontextualizada. Emanuel despediu-se e deixou-me exposto às dores do Sol e com uma ponta de sede.
Retornei ao meu cotidiano sem afobo. Mas timidamente discordando de Emanuel. Divergindo de mim comigo. Quieto como quem discorda de mãe. Não quero... Não posso... Fazer das minhas interrogações um contraponto à eloquência de Emanuel. As palavras falam e é melhor que não escutem.
Será se estou enxergando torto? Não vejo a seca envelhecer. A miséria se tornar ultrapassada. O que consigo visualizar é menos gente no campo, fazendo com que uma avalanche de miseráveis construam favelas na zona urbana. Criando campos de concentração recheados de violência e drogas. Tudo em nome de estatísticas conceituais. Cuja previsão defende que a imigração do campo representa desenvolvimento social.
Enquanto isso, o pouco continua muito. A pequena parte da população campestre prossegue suplicando por água. Vivenciando os descasos governamentais, que esperam a escassez chegar, ferir os limites da hombridade de um ser humano para depois agirem feito deuses piedosos que amparam com gotas d’água a sede de uma família. Tirando de cada sertanejo a capacidade do autosustento. E o pior, normalmente, uma esmola vem seguida da exigência de uma promessa.
Estou enxergando torto. Já estou na época de censurar as palavras. Não posso mais pisar no tempo. Já tenho consciência da existência da morte. Não é prudente discordar de meu amigo Emanuel.
Caso esteja lendo este artigo, não divulgue. Por favor, não comente sobre este pequeno lapso de discórdia, com o ex-poeta Emanuel.
* Artigo publicado no Jornal Correio da Semana