terça-feira, 25 de março de 2014

A ENTREVISTA QUE MUDOU O CENÁRIO POLÍTICO CEARENSE

Entrevista de Cid Gomes ao jornal Valor Econômico, na última sexta-feira, quando ele também confirmou sua disposição de deixar o Governo até o próximo dia 5, saiu publicada na edição de hoje e destaca a liberação de recursos federais para o Ceará, com o propósito de facilitar a campanha da presidente Dilma e enfraquecer o seu principal concorrente na Região, o ainda governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB).
Leia a íntegra da matéria com o título "Repasse federal ergue bastião pró-Dilma no NE". 

Por César Felício | De Fortaleza

 
Beto Barata/Estado / Beto Barata/EstadoCid: “Começamos a investir de maneira agressiva há sete anos, e a parceria federal se acelerou a partir de 2009″ 
Com muito dinheiro federal e uma sólida máquina política, a presidente Dilma Rousseff e o governador do Ceará Cid Gomes (Pros) estão erguendo, parede por parede, a principal fortaleza do governo no Nordeste. Já em 2010 os 6,2 milhões de eleitores cearenses deram 66% de seus votos para Dilma no primeiro turno da eleição presidencial, índice suplantado no país apenas por Maranhão e Piauí. Mas o Ceará é o oitavo maior colégio eleitoral e representa um pouco menos que a soma dos eleitores maranhenses e piauienses.
Cid Gomes comanda uma aliança de dezesseis partidos, sem considerar o PMDB, que deve se desgarrar do grupo para lançar ao governo o líder da sigla no Senado, Eunicio Oliveira. Desde que Cid começou a se distanciar do candidato do PSB à Presidência, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PE), o Ceará suplantou Pernambuco em investimentos federais e está em quarto lugar em número de empreendimentos aprovados no PAC 2 e em transferências voluntárias da União para Estados e municípios, e em segundo em investimentos próprios em relação à receita corrente líquida.
Somados aos investimentos diretos do governo federal no Estado, a carteira das ações em que o governador influi direta ou indiretamente ronda os R$ 18 bilhões, algo próximo de um orçamento do Estado. É uma lista em que entram obras financiadas pela União, como uma rede de distribuição de água para a região metropolitana de Fortaleza conhecida como “Cinturão das Águas”, ou obras de mobilidade urbana na capital, até convênios menores, em ambito municipal. Nesta conta também estão obras estaduais erguidas com empréstimos obtidos com aval da União. Ainda faz parte obras federais de caráter regional, como a construção de dois novos aeroportos no interior do Estado por R$ 360 milhões.
Ainda há mais por vir, segundo aliados do governador: estaria em gestação a criação de uma Universidade Federal em Sobral, terra do governador, além da delegação de estradas federais para o âmbito do Estado. “O governador do Ceará tem uma máquina que envolve quase todos os prefeitos, a confiança da presidente e está armado de dinheiro até os dentes”, comentou um dirigente petista. “Há uma grande coincidência entre a operação de Cid para diminuir Eduardo Campos no Nordeste e a aceleração de convênios com o Estado”, disse um dirigente do PMDB.
Cid Gomes saiu do PSB há seis meses, migrando com boa parte de seu grupo político para o nanico Pros. Enquanto esteve no PSB, trabalhou para que a candidatura presidencial do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, não se consolidasse. No Ceará, pelo menos, não se firmou: de acordo com uma pesquisa de opinião feita sob encomenda do PMDB, Eduardo Campos seria conhecido por apenas 10% do eleitorado cearense e o PSB local foi reduzido a uma deputada estadual. Em 2010, quando Eduardo Campos impediu a candidatura presidencial do irmão de Cid, o ex-governador Ciro Gomes, Pernambuco recebeu grande soma de investimentos. “Se Pernambuco continuasse recebendo tanto como estava, em breve ia ultrapassar São Paulo e Minas”, ironizou um aliado de Cid. “Dilma está fazendo pelo Ceará o que Lula fez por Pernambuco”, definiu o dirigente petista.
 

O cacife de Cid aumentou depois da vitória de seu aliado Roberto Claudio (Pros) à Prefeitura de Fortaleza em 2012. “Desconheço no período democrático tamanha hegemonia como a que eles possuem hoje no Ceará. Em todo o período do então governador Tasso Jereissati (PSDB), a Prefeitura de Fortaleza fazia um contraponto”, lamentou o deputado estadual Antonio Carlos (PT), que faz parte da corrente minoritária do partido que defende a candidatura própria da ex-prefeita da capital, Luizianne Lins (PT). Pela terceira vez consecutiva, o PT deve apoiar para o governo o candidato que Cid Gomes indicar.
“Na época do Tasso o governo federal nunca teve tanta disponibilidade de dinheiro para direcionar ao Estado. Era um tempo em que estava todo mundo quebrado”, comentou o deputado estadual João Jaime Marinho (DEM), que foi o último deputado estadual tucano no Ceará. No fim do prazo para a troca de partidos, em 2013, trocou o PSDB pelo DEM e deixou o ex-governador Tasso sem correligionários na Assembleia Legislativa. ” Eu preciso de 60 mil votos para me reeleger e em um partido de oposição ao governador não conseguiria”, justificou o parlamentar. Apesar de fazer oposição ao governo federal, o DEM está na base de apoio a Cid. “Ao entrar no partido, fiz um acordo para continuar me opondo ao governador, mas meus companheiros de legenda o apoiam”.
O governador Cid Gomes detalha pessoalmente a ajuda federal que recebeu para os principais projetos do Estado. Nega o direcionamento político. ” Alguns projetos que recebemos apoio foram escolhidos em editais públicos, dos quais participaram e também ganharam governos da oposição. Começamos a investir de maneira agressiva há sete anos, e a parceria com o governo federal se acelerou a partir de 2009″, disse Cid. De acordo com o governador, “é preciso ressaltar que as contrapartidas que o Estado dá não são pequenas”. O governador cearense busca atingir o antigo colega de partido ao comentar o cenário nacional. “Se o quadro permanecer como está, a presidente tem grande possibilidade de ganhar a eleição presidencial no primeiro turno e onde pode ter reversão é no PSB. Caso eles troquem de candidato e lancem Marina, ela teria mais facilidade de entrar em estados complicados do Sudeste onde Eduardo Campos não entra. Com o quadro atual, tudo que Eduardo Campos pode esperar é ver seu nome ganhar projeção”.
O ponto fraco de Dilma, segundo o governador, é a sua relação com o empresariado. “O maior desafio da presidente é liderar os segmentos econômicos do Brasil para estimular investimentos. Há muita desconfiança. Os empreendedores têm muitas reservas a ela sem motivo”, disse.
A concentração de votos governistas no Ceará não tem raízes apenas na máquina política comandada pelo grupo de Cid Gomes. O estado conta com cerca de 30% de sua população no meio rural e é tem 44,6% de sua população beneficiado por programas de transferência direta de renda, como o Bolsa Família, identificados com o governo federal. A soma de benefícios rivaliza com as transferências constitucionais mesmo em municípios de grande porte para o padrão cearense, como Itapipoca, de 120 mil habitantes. Na cidade, o total de recursos do FPM foi de R$ 28,3 bilhões em 2012 e os recursos transferidos pelo Bolsa Família atingiram R$ 27,7 bilhões”.