quinta-feira, 17 de abril de 2014

DA COLUNA DE FÁBIO CAMPOS NO OPOVO

De tempos em tempos, o Judiciário cearense remove suas vísceras e as expõe sob o sol da praça pública. Faz isso como nenhum outro poder. Afinal, os homens que lá estão não dependem do voto da massa e, em grande parte, chegaram onde estão após queimarem suas pestanas nos livros para entrar na universidade e depois conquistar aprovação em concursos públicos dificílimos.
A maior parte do Judiciário é formada por gente que construiu carreira baseando-se exclusivamente no esforço pessoal. Tantos servidores quanto togados. É evidente que a má fama que por ventura possa atingir o poder atinge também as reputações dessas trajetórias. Daí as vísceras que se removem.
Mais uma vez veio à tona um velho problema: a concessão de liminares durante plantões judiciários. Já ouvi de um desembargador o seguinte: “Meus plantões são calmos. Quase modorrentos. Não chega nada”. Mas, outros plantões são pródigos em receber ações.
Na segunda-feira passada, no programa Grande Jornal. da rádio O POVO-CBN, entrevistei o desembargador Luiz Gerardo Pontes Brígido acerca do tema. O que se ouviu do presidente do Tribunal de Justiça foi estarrecedor. Leiam a seguir a edição dos principais pontos.
- Tem desembargadores e juízes sendo investigados por decisões atípicas. Chamo de atípicas para não chamar de absurdas. Observamos que os magistrados que concedem essas liminares absurdas nos plantões são sempre os mesmos.
- Há um grupo de juízes, dois ou três desembargadores, servidores e advogados. São os mesmos. Temos tudo detectado. Temos mídias, temos informações de advogados que eram do esquema e que pararam porque estavam ameaçados de morte.
- Isso tem queimado imensamente a imagem da Justiça no Ceará. O foco maior é no tráfico. Corre muito dinheiro. É uma tentação. Dizem até que a tentação passa dez vezes por dia na frente de um juiz.
- São desembargadores sem mentalidade formada. Juízes também sem mentalidade formada. Sem compromisso. Advogados aéticos. Tem servidores cometendo podridão. Olha, fico impressionado com a capacidade do mal. Quando o bem pensa que avançou, o mal está muito adiante.
- Nós estamos firmes nesse propósito. Quando eu digo “nós” é a grande, a imensa maioria do Tribunal de Justiça. Não podemos compactuar porque estaríamos incorrendo no mesmo pecado que eles.
- (O crime organizado) Já, já chegou. Principalmente esse braço do tráfico já chegou em todas as áreas que você possa imaginar… No momento em que deixamos isso debaixo do tapete, não é solução. Temos é que divulgar mesmo.
- A Justiça do Ceará tem a sua face podre. É bem verdade que os contornos são pequenos. A grande face da Justiça é a Justiça correta que procura trabalhar como deve, mas não podemos ocultar o que já é do domínio público.
- Seria uma hipocrisia muito grande do presidente do Tribunal dizer assim: “Não! Aqui está correndo tudo bem. Não há foco de corrupção”. Há. Isso existe. A gente tem que ter a sinceridade suficiente, a coragem suficiente para reconhecer. A ajuda que vocês (a imprensa) tem nos dado é fabulosa.
Sim, o desembargador mostra coragem. Mostra principalmente que é um homem de bem e preocupado com os rumos de nosso Estado. É preciso que a sociedade conceda-lhe a força e a energia necessárias para prosseguir.
Clamo pela OAB. A entidade não pode apenas ficar pedindo os nomes dos suspeitos. É preciso que saia da defensiva. Que rompa com o corporativismo e entrelace as mãos com os juízes que levam a sério o combate ao crime organizado.