quinta-feira, 14 de agosto de 2014

PERTO DA VELHA POLÍTICA, EDUARDO CAMPOS PREGAVA A RENOVAÇÃO

Num país que, impiedosamente, costuma achar farinha do mesmo saco todos os políticos, Eduardo Campos era uma ave rara. Apresentava características inteiramente únicas em relação aos grandes líderes da atualidade, incluindo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff, seu adversário tucano, o senador Aécio Neves, e a colega de chapa, a ex-senadora Marina Silva. Isso significava representar, ao mesmo tempo, o velho e o novo na política. O melhor e o pior dos dois lados. Com uma mão abraçava a direita, com a outra acariciava a esquerda.
O ex-governador de Pernambuco morto nesta quarta-feira (13) aos 49 anos na queda de uma aeronave em Santos, no litoral de São Paulo, situava-se num patamar muito particular no complexo, criticado e polarizado universo político brasileiro. Ele estava cadastrado numa pasta única, chamada Eduardo Campos. Nesta pasta estava um político jovem, mas de carreira incrivelmente robusta, algo único hoje fora do PT e do PSDB. Herdeiro de uma raposa política do Nordeste, o avô Miguel Arraes, Campos era, ele mesmo, um cacique poderoso, capaz de arregimentar aliados no Legislativo, no Judiciário, na imprensa, entre ONGs, políticos e entidades de classe em seu Estado.
À frente do governo de Pernambuco, de onde saiu com aprovação recorde no País, flertava com o chamado Estado gerencial, mas se dizia socialista desde criancinha. Dedicava-se com igual fervor à gestão e à articulação política, combinação rara entre governantes brasileiros.
Pregava a renovação e uma forma nova de fazer política, mas não se furtava a fazer acordos para garantir alianças capazes de viabilizar candidaturas em estados considerados estratégicos para a disputa presidencial.
Tinha a seu lado Marina Silva e a Rede, ambos antiagronegócio por natureza, mas defendia políticas e cultivava aliados cujo pensamento se mostravam diametralmente opostos ao de sua vice.
Carreira estruturada no meio da mudança
Dualidades desse gênero costumam fazer parte da realidade – e do anedotário – da política brasileira. Há uma máxima segundo a qual política é como nuvem: você olha e está de um jeito; olha de novo e ela já mudou. Atribuída a Magalhães Pinto, velha raposa mineira, essa máxima sempre garantia salvo conduto a mudanças inesperadas de comportamento por parte dos políticos.
Até aí nada de novo. Em Eduardo Campos, porém, essas dualidades ganhavam ar de singularidade, graça e até mesmo coerência. Depois de dez anos de apoio aos dois inquilinos petistas do Palácio do Planalto, por exemplo, soube construir um discurso de dissidência com eficácia, ao mirar os interlocutores com seus translúcidos olhos verdes e convencê-los de que apoiava o mestre maior – Lula – mas discordava frontalmente dos rumos tomados pelo País sob a gestão da sucessora Dilma.
Diferentemente de Ciro Gomes, de Anthony Garotinho e de outros nomes que tentaram romper o revezamento de PT e PSDB no poder central, Campos construiu uma carreira mais estruturada, sempre no mesmo partido e sem procurar atalhos. Atuou, de maneira constante, no espectro da centro-esquerda – era por onde achava que a maioria dos eleitores brasileiros vai buscar escapar da polarização entre petistas e tucanos, vigente desde 1994.
Politicamente Eduardo Campos era uma espécie de variação mineira à moda pernambucana: trabalhava dia e noite para não ter adversários que merecessem tal nome. Chegou a arquitetar uma inacreditável aliança com o senador Jarbas Vasconcelos. Aliado antigo (foi na prefeitura do Recife na gestão de Jarbas que Campos ganhou seu primeiro cargo público), o senador se transformara num renhido adversário. Foi quem mais fez barulho contra a ida de Ana Arraes, mãe do governador pernambucano, para o Tribunal de Contas da União. “Isso não é modernidade. É atraso do pior tipo possível”, esbravejou na tribuna do Senado.
Políticos como Humberto Costa, do PT, ou Mendonça Filho, do DEM, já disseram em algumas oportunidades: “Ele é um sedutor”. Na cosmologia pernambucana, a frase passa longe de configurar-se um elogio. É como se dissesse: “Cuidado com ele”. Há uma máxima local segundo a qual Eduardo Campos não se satisfazia com maioria, mas só com a unanimidade.